quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Ninguém gosta do feio.

E isso é fato.

Ainda hoje conversando com minha cunhada - pessoa que sempre me mostra boas oportunidades de rever meus conceitos e abrir minha mente - percebi, meio perplexa, meio desapontada que realmente ninguém gosta de nada que seja feio.

E bem, qual a novidade nisso?

Nenhuma.

Poxa, como assim eu não consigo ver, entender, perceber nada de incrivelmente estranho nisso? Remoí esse pensamento a tarde toda. Porque afinal, eu que estou aqui, depois de tanto ler, estudar, pesquisar, viver...como aceitar um feio e pronto?

Não tem nada que importa naquilo que todo mundo chama de feio? Nada que faça valer a força, inteligência, tempo gastos ou investidos para gerar o feio?

Como assim?

E como um suave final de brisa um pensamento se revelou em minha mente: "não é o feio, querida, é o desconhecido. Afinal, como encontrar beleza - que não passa tão somente de um punhado de significados particulares - em algo que não se conhece?

E assim eu encontrei um lampejo de paz. Eu não posso esquecer que falta de conhecimento (e isso é para ser lido da forma mais ampla e menos preconceituosa que existe) faz as pessoas enxergarem apenas o que querem, da forma que querem e ignorar - completamente - o resto.

nayarac.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Para Neusa Costa - com carinho.

Lembro-me que, mesmo sem um grande saber sobre as coisas, eu sentia que aquela mulher - a professora - era tudo o que eu precisava ser.
Ser presente, ser verdadeira. Multiplicar aquele saber que me inquietava o coração. Entre tantas palavras bem vindas que ela me ofereceu, algumas, como essa se salvaram em minha mente.


A MÃO


Entre o cafezal e o sonho
o garoto pinta uma estrela dourada
na parede da capela,
e nada mais resiste à mão pintora.
A mão cresce e pinta
o que não é para ser pintado mas sofrido.
A mão está sempre compondo
módul/murmurando
o que escapou à fadiga da Criação
e revê ensaios de formas
e corrige o oblíquo pelo aéreo
e semeia margaridinhas de bem-querer no baú dos vencidos
A mão cresce mais e faz
do mundo-como-se-repete o mundo que telequeremos.
A mão sabe a cor da cor
e com ela veste o nu e o invisível.
Tudo tem explicação porque tudo tem (nova) cor.
Tudo existe porque foi pintado à feição de laranja mágica
não para aplacar a sede dos companheiros,
principalmente para aguçá-la
até o limite do sentimento da terra, domícilio do homem.

Entre o sonho e o cafezal
entre guerra e paz
entre mártires, ofendidos,
músicos, jangadas, pandorgas,
entre os roceiros mecanizados de Israel,
a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil
entre o amor e o ofício
eis que a mão decide:

Todos os meninos, ainda os mais desgraçados,
sejam vertiginosamente felizes
como feliz é o retrato
múltiplo verde-róseo em duas gerações
da criança que balança como flor no cosmo
e torna humilde, serviçal e doméstica a mão excedente
em seu poder de encantação.

Agora há uma verdade sem angústia
mesmo no estar-angustiado.
O que era dor é flor, conhecimento
plástico do mundo.

E por assim haver disposto o essencial,
deixando o resto aos doutores de Bizâncio,
bruscamente se cala
e voa para nunca-mais
a mão infinita
a mão-de-olhos-azuis de Candido Portinari.

Carlos Drummond de Andrade

Para ela.

Durante minha curta vida, eu já quis muitas coisas. Desejei estar em vários lugares, ter diversos poderes, ser outras pessoas. Mas em nem um momento eu quis tanto e com tanta intensidade ser essa menina como uma flor.


Para uma menina com uma flor

Porque você é uma menina com uma flor e tem uma voz que não sai, eu lhe prometo amor eterno, salvo se você bater pino, que aliás você não vai nunca porque você acorda tarde, tem um ar recuado e gosta de brigadeiro: quero dizer, o doce feito com leite condensado.


E porque você é uma menina com uma flor e chorou na estação de Roma porque nossas malas seguiram sozinhas para Paris e você ficou morrendo de pena delas partindo assim no meio de todas aquelas malas estrangeiras.

E porque você quando sonha que eu estou passando você para trás, transfere sua d.d.c. para o meu cotidiano e implica comigo o dia inteiro como se eu tivesse culpa de você ser assim tão subliminar.

E porque quando você começou a gostar de mim procurava saber por todos os modos com que camisa esporte eu ia sair para fazer mimetismo de amor, se vestindo parecido. E porque você tem um rosto que está sempre num nicho, mesmo quando põe o cabelo para cima, como uma santa moderna, e anda lento, a fala em 33 rotações mas sem ficar chata.

E porque você é uma menina com uma flor, eu lhe predigo muitos anos de felicidade, pelo menos até eu ficar velho: mas só quando eu der aquela paradinha marota para olhar para trás, aí você pode se mandar, eu compreendo.


E porque você é uma menina com uma flor e tem um andar de pajem medieval; e porque você quando canta nem um mosquito ouve a sua voz, e você desafina lindo e logo conserta, e às vezes acorda no meio da noite e fica cantando feito uma maluca.

E porque você tem um ursinho chamado Nounouse e fala mal de mim para ele, e ele escuta mas não concorda porque é muito meu chapa, e quando você se sente perdida e sozinha no mundo você se deita agarrada com ele e chora feito uma boba fazendo um bico deste tamanho.

E porque você é uma menina que não pisca nunca e seus olhos foram feitos na primeira noite da Criação, e você é capaz de ficar me olhando horas. E porque você é uma menina que tem medo de ver a Cara- na-Vidraça, e quando eu olho você muito tempo você vai ficando nervosa até eu dizer que estou brincando.

E porque você é uma menina com uma flor e cativou meu coração e adora purê de batata, eu lhe peço que me sagre seu Constante e Fiel Cavalheiro.


E sendo você uma menina com uma flor, eu lhe peço também que nunca mais me deixe sozinho, como nesse último mês em Paris; fica tudo uma rua silenciosa e escura que não vai dar em lugar nenhum; os móveis ficam parados me olhando com pena; é um vazio tão grande que as outras mulheres nem ousam me amar porque dariam tudo para ter um poeta penando assim por elas, a mão no queixo, a perna cruzada triste e aquele olhar que não vê.

E porque você é a única menina com uma flor que eu conheço, eu escrevi uma canção tão bonita para você, "Minha namorada", a fim de que, quando eu morrer, você se por acaso não morrer também, fique deitadinha abraçada com Nounouse, cantando sem voz aquele pedaço em que eu digo que você tem de ser a estrela derradeira, minha amiga e companheira, no infinito de nós dois.


E já que você é uma menina com uma flor e eu estou vendo você subir agora - tão purinha entre as marias-sem-vergonha - a ladeira que traz ao nosso chalé, aqui nestas montanhas recortadas pela mão presciente de Guignard; e o meu coração, como quando você me disse que me amava, põe-se a bater cada vez mais depressa. E porque eu me levanto para recolher você no meu abraço, e o mato à nossa volta se faz murmuroso e se enche de vaga-lumes enquanto a noite desce com seus segredos, suas mortes, seus espantos - eu sei, ah, eu sei que o meu amor por você é feito de todos os amores que eu já tive, e você é a filha dileta de todas as mulheres que eu amei; e que todas as mulheres que eu amei, como tristes estátuas ao longo da aléia de um jardim noturno, foram passando você de mão em mão, de mão em mão até mim, cuspindo no seu rosto e enfeitando a sua fronte de grinaldas; foram passando você até mim entre cantos, súplicas e vociferações - porque você é linda, porque você é meiga e sobretudo porque você é uma menina com uma flor.

Vinícius de Morais - daqui.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Estante Virtual - eu já comprei muito lá.

Uma das inúmeras coisas boas que entrar na faculdade me trouxe foi a possibilidade de comprar vários livros que eu jamais conseguiria ler "sozinha". Foram vários os universos paralelos que encontrei em cada página, em cada vírgula de um pensamento escrito.

E assim uma consistente experiência de compra de livros (que é diferente de comprar outras coisas) foi gerada em minha mente. E hoje me ocorreu que uma dica muito preciosa para universitários e amantes de plantão são os sebos - principalmente um sebo em especial. Um não, mas 1.827, que é o total de sebos cadastrados no Estante Virtual.

O Estante Virtual é uma ideia sensacional de um cara mais sensacional ainda. Contudo, o mais bacana nisso é a possibilidade de encontrar pequenos tesouros (ou aquele livro que vai te salvar nos exames finais). Porque é tudo muito fácil quando você mora em um lugar onde existem muitas opções em cada esquina, mas quando sua localização é difícil até pro Google Maps, uma mão na roda como essa é salvadora.

Basicamente o esquema funciona assim: você acessa o site, pequisa seu livro ou tema ou autor, encontra o melhor custo benefício (estado do livro/preço/frete/forma de pagamento), dá uma olhada básica nas avaliações do vendedor e, finalmente, fecha a compra. Tudo uber fácil e amigo do ambiente (primeiramente) e do bolso. Porque é injusto com um livro - qualquer que seja - ficar guardando tanto conhecimento em suas páginas, sem ninguém pra ler.

Imprimir um livro novinho em folha tem consequências que todos sabemos. Então se for possível comprar um já lido por alguém é bom negócio com T-O-D-A certeza. Fora que essa atitude não fere os direitos de nenhuma das partes: afinal livros novos já precisam ser publicados todos os dias para que um dia sejam enviados aos sebos.

Eu já recomendei muito o site na minha vida offline. Professores, amigos, parentes, namorido, sogrita, cunhada: todos eles já estão com os ouvidos pesados de tantas vezes que eu falei sobre o assunto.

E sempre que o orçamento permite eu compro muitos livros lá. Porque ler é a coisa mais legal que eu aprendi a fazer. E talvez toda essa admiração seja porque eu encontrei nessa ideia de reunir sebos uma chance a mais que todos temos de ir além. Ler, pra mim, sempre foi ir além.



Essa foi a newsletter que recebi de ano novo deles. E essa mensagem faz realmente muito sentido pra mim.

nayarac.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Panela de pressão.

Nos últimos dias que se passaram me permeti a extravagância de pensar um pouco.
E nessas caraminholas da minha cuca encaracolada notei que "coisas" andam acontecendo por ai. Óbvio que minha constatação não broutou do nada: é quase um apanhado de pequenos olhares - internos e externos - que ocorreram nesses tempos.

Porque assim como o Menóquio, as vezes eu arrisco "abrir os olhos e olhar". E puxa! como hoje em dia está difícil ser infeliz, né? Sem grandes profundidades intelectuais pseudamente atribuidas a mim; falo de uma maneira mais cotidianamente. Sim, porque se as coisas chegam no ponto de você não poder comer mais nem o seu feijão com gosto de cozido na semana passada só pode ser porque ser infeliz está virando crime.

Gente, se o feijão foi cozido na semana passada, que mal há nisso? Só vale se for feito no dia? Na hora? Semi-cru??!?
E quem pode cozinhar feijão todo dia. Minha mãe não pode (era realmente necessário dizer que eu tenho quem cozinhe para mim? Isso já não estava claro?!). Tenho certeza que a sua também não.

E mesmo assim elas - minha e sua mãe - nos amam. Porque não é servindo feijão com gosto de "hoje" que se constrói qualquer coisa que seja, incluindo relação mãe e filho.

Fora o feijão tem outras coisas; cada vez mais coisas. É um tal de água saborizada (!!!!), refrigerante sem açúcar mas que tem gosto de açúcar, pasta de dente sabor morango...enfim, a lista é longa. O ruim disso é que cada vez mais é possível, aceitável e até quase obrigatório viver em um mundo irreal. Sim, porque se você acha que é possível ter gosto de abacaxi sem ser feito dele, sim muito: estão te enganando.

E qual é meu problema com isso? Simples: eu não sou feliz o tempo todo. E nem preciso ser, porque afinal faz parte da racionalidade da espécie saber que hoje você encontrou a caça e dormiu de barriga cheia. Amanhã isso pode não acontecer e nada vai mudar - sua barriga vai ficar vazia mas isso é completamente superável.

Gente! o feijão pode ter sido cozinho ontem, anteontem, semana passada. Não há problema nisso! Coma o feijão, saiba porque é bom comer ele, saborear ele, sua história, suas propriedades. Seja feliz porque você está comendo ele e não infeliz porque ele não tem o gosto de feito no dia. É a coisa em si e não a máscara que ela carrega.

É previsível para mim que esse assunto seja de relevância nula, visto que quem exige felicidade total em 5x sem juros e com gosto de feijão do dia somos nós mesmos: brasileiros e brasileiras, cidadãos do mundo, mães e pais e filhos que nunca param para ver que o legal é viver mesmo e não dentro do comercial. Somos nós que não suportamos a ideia - mesmo remota - de comer feijão com gosto de feijão. Precisa ser cena de novela, de cinema, de comédia romana.

E como todo tempo, força, inteligência e beleza gastos nisso, é difícil mesmo ter um punhado de gente consciente de si e do outro - que é você em potencial amanhã. É mais fácil esquecer as imagens ou situações que não gostamos/aceitamos/compreendemos quando existe um consolo tão confortante como o sabor de um feijão cozido no dia.

Ainda mais quando existe de forma tão superficial e mentirosa.

nayarac.