quarta-feira, 16 de maio de 2012

O outro


Algumas vezes, naqueles momentos de distração, eu queria que você fosse outro.
Que você fosse alguém que ainda tem mistérios pra mim. Que ainda tem surpresas. Que ainda tem quereres.
Eu continuo te querendo - não me entenda mal. Mas as vezes, sinto vontade de que você tivesse outra cara. Outro cheiro. Outro beijo.
Que você ainda tivesse, no seu íntimo, a necessidade de uma conquista.

Por várias vezes desejei isso. Por algumas vezes busquei isso em outros olhos, imaginando que era você ali, transfigurado em outro ser. Quis que você fosse outra pessoa e também quis que não: que o outro não fosse você. 
Vendo o mundo por trás das janelas, eu quis que outros estivessem em seu lugar. Quis saber de como seria minha vida sem você e seus hábitos e trejeitos. 
Quis imaginar - e imaginei mesmo -  tudo ao contrário do que é hoje.

Em outros procurei as suas manias. Procurei com os olhos, com os jestos, com as reações. Imaginei acordar ao lado de outros. Amar outros. Fazer as coisas que faço com você com outros. Imaginei se todas essas coisas teriam o mesmo sentido que tem com você.

Tem dias, que queria que você fosse como antes. Como nos primeiros beijos afoitos, nas primeiras descobertas, nas primeiras tentativas de construir o que temos hoje. Em outros dias, queria que você lá no futuro, com uma tranquilidade que não é sua. Tem dias que eu te imagino e desejo no futuro.

Acontece que eu e você estamos aqui no presente, no agora. No tedioso agora. No inacabável agora. No sistematizado agora. Nos problemas do agora. Não dá pra ficar no deleite do passado, muito menos no confortável do futuro. A gente precisa ficar no agora. Nesse agora que me sufoca, que me esvazia. A gente precisa ficar nesse agora que não tem graça nem tesão nem beijo na nuca nem café da manhã na cama nem romance nem livro nem lance nem nada. Nesse agora que me faz te procurar em outros, que me faz imaginar em outra.

Esse agora tão pequeno pra tudo o que eu queria sentir e viver. Esse agora que não tem comidinha na boca, poema do Vinícius no pé do ouvido nem cartão apaixonado. 

A dialética desse relacionamento é cruel. De um lado tudo o que eu não tenho e poderia ter - se você fosse outro - e no oposto tudo o que você não quer ser pra mim. Pra gente. 
Não dá pra viver querendo que o outro seja você. Não dá pra nutrir uma imagem que só tem a sua carne. Não dá pra esperar o Don Ruan e encontrar o Zé Bonitinho. Não dá pra viver nesse agora que só eu enxergo.

Eu não sou outra. Eu sou quem acorda ouvindo Vinícius, que suspira com beijo de novela, que pensa no melhor angulo pra te olhar. Pra te olhar. Eu adoro te olhar. Eu adoro pensar que você me olha. Eu adoraria pensar que meu batom vermelho te seduz ao invés de te afastar. Que meu salto alto te faz me querer mais ao invés de te forçar a andar mais lentamente.

As vezes, algumas vezes eu queria ouvir de outros o que eu não ouço de você. Queria ouvir de você o que ouço dos outros. Me enxergar no brilho dos seus olhos. Queria ver alguma necessidade urgente em você. Queria alimentar meu ego de mulher, de pessoa, de humana. 

Queria ver a certeza em você. A certeza que as vezes vejo em outros. Uma certeza que eu olho de lado, pra não acreditar muito e me policio dizendo que não passa de ilusão. 

Queria tanto, porque sai tanto de mim pra você. Mas quase tudo fica nas entrelinhas; você não percebe. Quase tudo fica no olhar vazio, no silêncio que afasta, no tédio do mais do mesmo. 

Tudo fica parado no ar enquanto eu penso que você podia ser outro.

nayarac.

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