Algumas vezes, naqueles momentos de distração, eu queria que você fosse outro.
Que você fosse alguém que ainda tem mistérios pra mim. Que ainda tem surpresas. Que ainda tem quereres.
Eu
continuo te querendo - não me entenda mal. Mas as vezes, sinto vontade
de que você tivesse outra cara. Outro cheiro. Outro beijo.
Que você ainda tivesse, no seu íntimo, a necessidade de uma conquista.
Por
várias vezes desejei isso. Por algumas vezes busquei isso em outros
olhos, imaginando que era você ali, transfigurado em outro ser. Quis que
você fosse outra pessoa e também quis que não: que o outro não fosse
você.
Vendo o mundo por trás das janelas, eu quis que outros estivessem em seu
lugar. Quis saber de como seria minha vida sem você e seus hábitos e
trejeitos.
Quis imaginar - e imaginei mesmo - tudo ao contrário do que é hoje.
Em
outros procurei as suas manias. Procurei com os olhos, com os jestos,
com as reações. Imaginei acordar ao lado de outros. Amar outros. Fazer
as coisas que faço com você com outros. Imaginei se todas essas coisas
teriam o mesmo sentido que tem com você.
Tem dias, que queria que você fosse como antes. Como nos primeiros
beijos afoitos, nas primeiras descobertas, nas primeiras tentativas de
construir o que temos hoje. Em outros dias, queria que você lá no
futuro, com uma tranquilidade que não é sua. Tem dias que eu te imagino e
desejo no futuro.
Acontece que eu e você estamos aqui no presente, no agora. No
tedioso agora. No inacabável agora. No sistematizado agora. Nos
problemas do agora. Não dá pra ficar no deleite do passado, muito menos
no confortável do futuro. A gente precisa ficar no agora. Nesse agora
que me sufoca, que me esvazia. A gente precisa ficar nesse agora que não
tem graça nem tesão nem beijo na nuca nem café da manhã na cama nem
romance nem livro nem lance nem nada. Nesse agora que me faz te procurar
em outros, que me faz imaginar em outra.
Esse agora tão pequeno pra tudo o que eu queria sentir e viver. Esse
agora que não tem comidinha na boca, poema do Vinícius no pé do ouvido
nem cartão apaixonado.
A dialética desse relacionamento é cruel.
De um lado tudo o que eu não tenho e poderia ter - se você fosse outro -
e no oposto tudo o que você não quer ser pra mim. Pra gente.
Não dá pra viver querendo que o outro seja você. Não dá pra nutrir uma
imagem que só tem a sua carne. Não dá pra esperar o Don Ruan e encontrar
o Zé Bonitinho. Não dá pra viver nesse agora que só eu enxergo.
Eu não sou outra. Eu sou quem acorda ouvindo Vinícius, que suspira com
beijo de novela, que pensa no melhor angulo pra te olhar. Pra te olhar.
Eu adoro te olhar. Eu adoro pensar que você me olha. Eu adoraria pensar
que meu batom vermelho te seduz ao invés de te afastar. Que meu salto
alto te faz me querer mais ao invés de te forçar a andar mais
lentamente.
As vezes, algumas vezes eu queria ouvir de outros o que eu não ouço de
você. Queria ouvir de você o que ouço dos outros. Me enxergar no brilho
dos seus olhos. Queria ver alguma necessidade urgente em você. Queria alimentar meu ego de mulher, de pessoa, de humana.
Queria ver a certeza em você. A certeza que as vezes vejo em outros. Uma
certeza que eu olho de lado, pra não acreditar muito e me policio
dizendo que não passa de ilusão.
Queria tanto, porque sai tanto de mim pra você. Mas quase tudo fica nas
entrelinhas; você não percebe. Quase tudo fica no olhar vazio, no
silêncio que afasta, no tédio do mais do mesmo.
Tudo fica parado no ar enquanto eu penso que você podia ser outro.
nayarac.
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